O QUE A VOZ DIZ SOBRE ALGUÉM?

O QUE A VOZ DIZ SOBRE ALGUÉM?

A Voz representa uma das extensões mais fortes da personalidade. Vários autores da Fonoaudiologia afirmam que Voz e Emoções estão relacionadas, mas desconheço algum que cientificamente aprofunde esta afirmativa.

Depois de 20 anos trabalhando com Saúde Vocal, a experiência evidencia esta correlação. Mas foi quando conheci a Análise Transacional que finalmente comecei a compreender cientificamente.

Esta teoria possui conceitos que auxiliam na compreensão desta característica tão peculiar a cada falante, com suas variações, aspectos relacionais e motivações internas de manifestação no ambiente. A maneira como o indivíduo utiliza sua Voz reflete seu funcionamento psíquico.

Voz é identidade. O fato de identificarmos e até inferirmos aspectos subjetivos de outras pessoas é um experiência diária. Ao ouvir a voz de um desconhecido ao telefone e imaginar seu biotipo ou personalidade a partir deste som, é uma habilidade que adquirimos fazendo associações ao longo da vida. De tanto ouvir vozes diferentes, de pessoas diferentes, criamos um repertório interno que identifica aspectos do outro através de COMO diz “Olá”.
“O refinamento deste processo é tal que, além de atributos mais simples como sexo, idade e procedência, chega-se a projetar, por vezes, o tipo de estrutura física, as expressões faciais e, até mesmo, a cor dos cabelos do interlocutor.” (Behlau, 1995)
No trabalho de aperfeiçoamento de comunicação e expressão verbal é comum as pessoas buscarem estratégias para conseguirem uma voz melhor projetada no ambiente em termos de “volume”, coloquialmente falando.
Há uma diferença técnica entre Intensidade e Loudness. Intensidade é um parâmetro físico que pode ser medido em decibéis e está relacionado à ação conjunta e interdependente entre a pressão da coluna aérea que vem dos pulmões, além da tensão e vibração das pregas vocais. Assim, a Intensidade é um ajuste fortemente fixado, tornando difícil sua modificação, embora seja possível com conhecimento, consciência e domínio deste processo. Loudness é a sensação psicofísica relacionada à Intensidade, ou seja, como julgamos um som, sonsiderando-o forte ou fraco. Sua medição para avaliação e acompanhamento é feita utilizando-se escalas comparativas a partir da percepção auditiva do avaliador e/ou avaliado. Mara Behlau refere-se à dimensão psicológica da seguinte forma:

“Na dimensão psicológica, a intensidade vocal é um parâmetro permitenumerosas interpretações, expressando basicamente como lidamos com a noção 19741930812_6e57d16d1e_kde limite próprio e do outro. Podemos utilizar uma voz de comando através de elevada intensidade vocal, mas por outro lado, podemos conseguir o mesmo objetivo usando uma voz em intensidade mínima, apenas colocando nossa intenção na articulação e ênfase nas palavras, o que geralmente é interpretado como mais poder, em comparação com o indivíduo que grita. No extremo positivo, uma intensidade elevada indica franqueza de sentimentos, vitalidade e energia; porém no extremo negativo indica “falta de educação” e de paciência. (…) O controle da intensidade requer a consciência da exata dimensão do outro, um refinado controle de projeção de voz no espaço. Uma intensidade fraca não atinge o ouvinte, e pode expressar pouca experiência nas relações interpessoais, timidez, medo da reação do outro ou complexo de inferioridade. Por sua vez, uma intensidade demasiadamente forte invade o ouvinte e o deixa numa situação bastante desconfortável. Pessoas com caráter invasivo e dificuldades em respeitar os limites próprios e os do próximo tendem a utilizar uma forte intensidade vocal, podendo tornarem-se indesejáveis; nesses casos, a dificuldade de atuação terapêutica deve-se ao fato de que tal modelo de emissão está profundamente enraizado e surge insconscientemente.”

Daniel R. Boone acrescenta:

“Uma voz demasiadamente forte pode sinalizar que o falante é agressivo e hostil, ou impetuoso, rude ou insensível. Uma voz demasiadamente fraca pode sugerir que o falante é tímido, indeciso, tem baixa auto-estima ou não se preocupar realmente em comunicar-se. (…) A intensidade da voz pode estar traindo suas emoções, e pode muito bem contar a história errada. A intensidade transmite a força de nossas emoções, nosso nível de confiança e se estamos ansiosos, hostis ou confortáveis com aqueles que nos cercam. Usamos a intensidade para projetarmos nossas vozes à distância, mas nosso nível de intensidade vocal também transmite a distância emocional que desejamos manter com outras pessoas. Uma voz demasiadamente alta mantém as pessoas à distância. 8312764946_ae4ff8f724_bUma voz muito suave pode sinalizar que você não deseja construir uma ponte para unir-se às outras pessoas. Precisamos variar nosso nível de intensidade vocal para diferentes distâncias físicas entre nós e nossos ouvintes, para acomodarmo-nos a diferentes níveis de ruído de fundo e para transmitirmos diferentes emoções. O problema é que muitas pessoas usam o mesmo nível de intensidade vocal o tempo todo. Elas fazem isto por uma infinidade de razões. (…) Relativamente cedo na vida, todos nos aprendemos a usar o nível de intensidade capaz de fazer com que outros façam coisas que queremos. Por exemplo, quando estamos com alguém amado, usamos uma voz suave. Quando queremos que os garotos baixem o som do estéreo, frequentemente descobrimos que uma voz forte é necessária. Em algumas situações profissionais, podemos precisar falar um pouco mais forte para acrescentarmos autoridade às nossas vozes. Contudo, algumas pessoas não têm certeza quanto ao nível de intensidade apropriada ou, por outras razões, voltam a usar o mesmo nível de intensidade. Esses níveis habituais de intensidade é que causam os problemas.”

Os dois textos citados são alguns exemplos da convergência da fonoaudiologia acerca da influência da personalidade e emoções na intensidade vocal. No entanto, não explica como isto acontece psiquicamente, apenas aponta o fenômeno. É neste ponto que a AT auxilia.
Ao avaliar alguém que busca aperfeiçoamento vocal, alguns dados de estilo de relacionamento podem levar a inferências úteis sobre a atuação dos Estados de Ego, Transações, Jogos Psicológicos, além de outros conceitos da Análise Transacional.
Em pelo menos três livros, Berne afirma que cada indivíduo tem “no mínimo três vozes diferentes, Pai, Adulto e Criança. Poderá conservar uma, ou mesmo duas delas cuidadosamente escondidas por muito tempo, porém, mais cedo ou mais tarde elas aparecerão. (…) Cada uma das vozes revela algo sobre o script.” (Olá, pág. 261, 1971) Quando Behlau refere-se ao “modelo de emissão profundamente enraizado” e Boone ao fato das pessoas comumente voltarem a utilizar o mesmo nível de intensidade que utilizavam antes do treinamento vocal, penso na possibilidade desta recidiva estar relacionada a aspectos do script.
Atualmente, ao avaliar estes clientes, pesquiso fatores relacionados a Diálogos Internos, Emoções de Disfarce, Posição Existencial, possível Contaminação ou Exclusão de Estado de Ego, manifestação de algum Comportamento Passivo ou até mesmo a ocorrência de Jogos Psicológicos.
O objetivo não é o de diagnosticar ou abordar terapeuticamente, mas obter mais informações sobre o que motiva a manifestação inadequada da Intensidade Vocal para que a intervenção seja mais eficaz e não apenas paliativa.

Utilizar exercícios vocais, respiratórios e corporais para adequação deste parâmetro de análise de Voz demonstra resultados imediatos. No entanto, a manutenção de um novo padrão precisa estar alinhado com o que o indivíduo sente, com a sua Imagem de Falante, com a Permissão Interna para ocupar seu lugar no ambiente e preenchê-lo com as ondas sonoras de sua Voz, de forma OK/OK. De posse destas informações, é possível que o cliente consiga manter um novo padrão de Intensidade Vocal, com suas variações pertinentes a cada situação de vida (palco, telefone, conversa próxima a outro, microfone, etc), com mais consistência entre a Voz que se apresenta e seus processos internos.

BERNE, Eric. Análise Transacional em Psicoterapia. São Paulo, Summus, 1961
BERNE, Eric. Princípios de Tratamento em Grupo. New York: Oxford University Press, 1966.
BERNE, Eric. O Que você diz Depois de Dizer Olá? São Paulo: Nobel, 1998
BOONE, Daniel R. Sua voz está traindo você? Como encontrar e usar sua voz natural. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
BEHLAU, Mara; PONTES, Paulo. Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo: Editora Lovise, 1995.

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